A LUA ME CEGOU!
CONTOS DA BEIRA DO RIO AMAZONAS
Por
> Neca Machado
(Administradora Geral, Artista Plástica, Bacharel em Direito Ambiental,
Especialista em Educação Profissional, Escritora de Mitos da Amazônia,
fotografa com mais de 100 mil fotografias diversas, Pesquisadora da Cultura
Tucuju, Contista, Cronista, Poetisa, Licenciada Plena em Pedagogia, Jornalista,
Blogueira com 30 blogs na web, Quituteira.
A velha rua da Praia acordou com os
gritos assustados de alguém que perambulava sem rumo, gritando em uma voz cheia
de medo: “A Lua me cegou, a lua me cegou, a lua me cegou...”
Maltrapilho, descalço e parece CEGO.
Foi assim que o delegado de polícia da
capital o encontrou, foi chamado por moradores que assustados pareciam
petrificados sem entender a situação. O delegado abriu os olhos do coitado, e
sem explicação nenhuma, dizia que não tinha nada ali, deve ser um “cisco” que
caiu no teu olho, repetia. E o pobre Homem continua a gritar: “foi a lua, foi a
lua, foi a lua…”
Foi levado num camburão da polícia para
o Hospital geral que era o mais próximo da rua da praia. E por orientação
medica foi mandado para o departamento de psiquiatria.
No outro dia, parentes avisados o
procuram por lá, ainda estava cego.
A Mãe repetia que ele “era bom”, não
tinha problemas nos olhos, que enxergava tudo, que andava sozinho por Macapá,
que gostava dos puteiros e do quebra mar.
Mas, enfim, ele estava cego!
A cegueira repentina para ele tinha uma
causa: “Foi a Lua”
Ainda meio tonto dos remédios que lhe
deram, ele tentava lembrar de alguma coisa.
Disse que estava na frente do Mercado
Central, que pegou um carreto de bananas e foi deixar na quitanda da Mulher,
que nem sabia o nome, e que ela tinha lhe dado uns trocados, e que feliz foi
tomar umas no boteco da esquina com uma morena que acabara de chegar no Igarapé
das Mulheres e agora fazia “ponto” por ali...
Depois foram passear no trapiche, que
naquela noite tinha uma bela LUA.
Ainda tentou fazer uma poesia, mas não
era letrado.
De mãos dadas correram os dois pela
Pedra do Guindaste, sempre fitando a Lua, redonda feita uma peteca azul dizia
ele.
Parece que era meia noite.
E aí, foi quando lembrou que não
enxergava mais.
A última visão foi a LUA. Cheia de
gente, cheia de mistérios, cheia de desejos inimagináveis...
E agora ele CEGO.
Os anos se passaram e ele continua a
repetir, muitas vezes agora com uma velha bengala de companhia “FOI A LUA, foi a lua, foi a Lua...”
Foi culpa da LUA.
A
LUA ME CEGOU!
(Para muitos Pajés da floresta Amazônica
a LUA e cheia de mistérios, encantos e enigmas. Cuidado, a LUA também deixa
marcas…)
UM
ROSTO
Conto publicado no Jornal Diário do
Amapá em, 23 de fevereiro de 2003.
O
rosto que apareceu no espelho não era verdadeiro!
A moradora do bairro do Igarapé das
Mulheres se espantou; tinham rugas que pareciam de verdade, o sorriso era
enigmático e traiçoeiro, como um verdadeiro Demonio. A luz que pairava sobre o
vulto sem forma no reflexo do espelho era assustador.
A noticia correu como um campeonato de
velocidade, primeiro a benzedeira foi chamada, depois cobriu com um pano o
local, passou algo embebido em cachaça, fumou um cigarro barato, fez o sinal da
cruz e a coisa não sumiu.
A casa foi construída na beira do
Igarapé das Mulheres, seus pés permaneciam dentro das águas barrentas o ano
todo; às vezes a madeira de lei ficava totalmente encoberta, outras vezes
somente a metade, dizem as más línguas que foi a reza de um pescador
sentimental que agourou a velha casa, comprada com trocas de muitas viagens de
pescaria, alqueires de farinha, piracuí e algumas frutas que foram plantadas na
parte mais alta da propriedade, que serviu de moeda para adquirir tal
patrimônio.
A reza foi complementada com muita água
benta deixada de presente pelo velho pároco que estimava a família.
No espelho o visitante ao olhar a imagem
refletida, tinha a sensação de realmente se deparar com um ROSTO, as vezes com
o reflexo do sol do equador, até parecia um Anjo.
Se era uma imagem masculina, o padre que
também foi chamado, não soube explicar. O que realmente aconteceu foi algo
assustador; os antigos moradores sumiram de repente, como por encantamento de
mãe do mato, a policia ainda tentou investigar o sumiço, porém, nada foi
deixado como pista. Era um casal de velhos da Ilha do Marajó, não tinham
filhos, viviam somente da pescaria, e um dia a noticia chegou: os pobres velhos
sumiram, alguém achou que foi o Boto, outros que foram comidos por jacaré açu
que rondavam o local, e nada.
O que se comentava pelos cantos, era que
agora, com alguém morando na mesma casa, os antigos donos queriam voltar e
assumir seu lugar, um lugar agora habitado por demônios.
O ROSTO no espelho ficou na lembrança de
muitas pessoas, como Dona Maroca que só de lembrar ainda sente calafrios na
espinha e se benze, dizendo: Cruz, credo, virgem Maria!
FUNDO
DE GAVETA
Publicado
em 21 de fevereiro de 2003 no Jornal Diário do Amapá.
Quando ela se deparou chegando aos
oitenta anos sentiu um leve frio na costela...
A negra dos Campos do Laguinho sentou na
varanda da casa rústica e resolveu revirar seu passado, era como se limpasse o
armário e olhasse profundamente para um fundo de gaveta...
Primeiro foram às mãos que envelheceram
sem o sentir do passar dos anos, tinham marcas profundas de uma jovialidade,
que a cor conservava, sem que o tempo demonstrasse sinal de sua presença.
Já não podia tocar em algo que as dores
de um reumatismo não surgisse de repente, que a deixavam prostrada por dias a fio na velha rede de algodão.
Muitos sinais da passagem da juventude
desapareceram, sumiram como por encanto. A dor de cabeça era uma constante, e o
famoso banho de São João que conservava debaixo da cama, era sua salvação, o
banho era um segredo de família, conservado anos. Em dias de comemoração ao
famoso santo, as ervas aromáticas ficavam em infusão por três dias banhadas em
água de poço amazônida e retirados pela madrugada, tinha que ser antes do sol
raiar para fazer efeito segundo a velha senhora. Sua sabedoria popular
extrapolou os limites do Laguinho e as consultas em sua casa eram diárias.
Na gaveta o fundo amarelado guardava
alem das lembranças, muitas saudades. Recostou o ombro na cadeira de balanço,
tirou um fio de cabelo, e percebeu sua cor esbranquiçada que ficou em suas
mãos, neste momento, outra dor mais forte no peito. Eram as lembranças que
aquela gaveta lhe trazia, não lhe faziam bem nenhum.
Pensou no tempo em que o velho
murucizeiro conhecia suas lembranças, foram cúmplices durante muitas décadas,
ele era um confidente leal, em sua sombra a cumplicidade, seus frutos doces no
chão, somente uma desculpa para querer sua companhia. Agora as tardes não
possuíam mais o encanto de outrora, havia naquele momento um amargo sabor de
saudade.
A gaveta seria fechada de uma hora pra
outra, e com ela toda uma vida de glorias, vitórias, desamor, magoas,
arrependimentos, tristezas, sonhos... Tudo ficou no passado!
NO FUNDO DE UMA VELHA GAVETA!