BIOGRAFIA
Neca Machado
(Ativista Cultural, altruísta que preserva os sabores e saberes da Amazônia,
através dos Mitos e Lendas da Beira do Rio Amazonas no extremo norte do Brasil,
é, Administradora Geral, Artista Plástica, Bacharel em Direito Ambiental,
Especialista em Educação Profissional, Escritora de Mitos da Amazônia,
fotografa com mais de 100 mil fotografias diversas por 11 Países (Europa,
Oceania, América do Sul) 2016, classificada
em 2016 na obra brasileira
“Cidades em tons de Cinza”, de novo em 2017, Concurso Urbs, classificada com publicação de um poema na
obra Nacional, “Sarau Brasil”, Novos Poetas de 2016, de novo em 2017.
Pesquisadora da Cultura Tucuju, Contista, Cronista, Poetisa, Coautora em 10
obras lançadas em Portugal em 2016 e 2017, Autora independente da Obra Mitos e
Lendas da Amazônia, Estórias da Beira do Rio Amazonas, publicada em 02 edições
em Portugal em 2017, edição limitada, Coautora na obra lusa, lançada em Lisboa
em 09.09.2017, A Vida em Poesia, Licenciada Plena em Pedagogia,
Gastro-Foto-Jornalista, Blogueira com 25 blogs na web, 21 no Brasil e 04 em
Portugal, Quituteira e designer em crochê.)
UM ROSTO
Conto publicado no Jornal Diário do
Amapá em, 23 de fevereiro de 2003.
O
rosto que apareceu no espelho não era verdadeiro!
A moradora do bairro do Igarapé das
Mulheres se espantou; tinham rugas que pareciam de verdade, o sorriso era
enigmático e traiçoeiro, como um verdadeiro Demonio. A luz que pairava sobre o
vulto sem forma no reflexo do espelho era assustador.
A noticia correu como um campeonato de
velocidade, primeiro a benzedeira foi chamada, depois cobriu com um pano o
local, passou algo embebido em cachaça, fumou um cigarro barato, fez o sinal da
cruz e a coisa não sumiu.
A casa foi construída na beira do
Igarapé das Mulheres, seus pés permaneciam dentro das águas barrentas o ano
todo; às vezes a madeira de lei ficava totalmente encoberta, outras vezes
somente a metade, dizem as más línguas que foi a reza de um pescador
sentimental que agourou a velha casa, comprada com trocas de muitas viagens de
pescaria, alqueires de farinha, piracuí e algumas frutas que foram plantadas na
parte mais alta da propriedade, que serviu de moeda para adquirir tal
patrimônio.
A reza foi complementada com muita água
benta deixada de presente pelo velho pároco que estimava a família.
No espelho o visitante ao olhar a imagem
refletida, tinha a sensação de realmente se deparar com um ROSTO, as vezes com
o reflexo do sol do equador, até parecia um Anjo.
Se era uma imagem masculina, o padre que
também foi chamado, não soube explicar. O que realmente aconteceu foi algo
assustador; os antigos moradores sumiram de repente, como por encantamento de
mãe do mato, a policia ainda tentou investigar o sumiço, porém, nada foi
deixado como pista. Era um casal de velhos da Ilha do Marajó, não tinham
filhos, viviam somente da pescaria, e um dia a noticia chegou: os pobres velhos
sumiram, alguém achou que foi o Boto, outros que foram comidos por jacaré açu
que rondavam o local, e nada.
O que se comentava pelos cantos, era que
agora, com alguém morando na mesma casa, os antigos donos queriam voltar e
assumir seu lugar, um lugar agora habitado por demônios.
O ROSTO no espelho ficou na lembrança de
muitas pessoas, como Dona Maroca que só de lembrar ainda sente calafrios na
espinha e se benze, dizendo: Cruz, credo, virgem Maria!
FUNDO
DE GAVETA
Publicado
em 21 de fevereiro de 2003 no Jornal Diário do Amapá.
Quando ela se deparou chegando aos
oitenta anos sentiu um leve frio na costela...
A negra dos Campos do Laguinho sentou na
varanda da casa rústica e resolveu revirar seu passado, era como se limpasse o
armário e olhasse profundamente para um fundo de gaveta...
Primeiro foram às mãos que envelheceram
sem o sentir do passar dos anos, tinham marcas profundas de uma jovialidade,
que a cor conservava, sem que o tempo demonstrasse sinal de sua presença.
Já não podia tocar em algo que as dores
de um reumatismo não surgisse de repente, que a deixavam prostrada por dias a fio na velha rede de algodão.
Muitos sinais da passagem da juventude
desapareceram, sumiram como por encanto. A dor de cabeça era uma constante, e o
famoso banho de São João que conservava debaixo da cama, era sua salvação, o
banho era um segredo de família, conservado anos. Em dias de comemoração ao
famoso santo, as ervas aromáticas ficavam em infusão por três dias banhadas em
água de poço amazônida e retirados pela madrugada, tinha que ser antes do sol
raiar para fazer efeito segundo a velha senhora. Sua sabedoria popular
extrapolou os limites do Laguinho e as consultas em sua casa eram diárias.
Na gaveta o fundo amarelado guardava
alem das lembranças, muitas saudades. Recostou o ombro na cadeira de balanço,
tirou um fio de cabelo, e percebeu sua cor esbranquiçada que ficou em suas mãos,
neste momento, outra dor mais forte no peito. Eram as lembranças que aquela
gaveta lhe trazia, não lhe faziam bem nenhum.
Pensou no tempo em que o velho
murucizeiro conhecia suas lembranças, foram cúmplices durante muitas décadas,
ele era um confidente leal, em sua sombra a cumplicidade, seus frutos doces no
chão, somente uma desculpa para querer sua companhia. Agora as tardes não
possuíam mais o encanto de outrora, havia naquele momento um amargo sabor de
saudade.
A gaveta seria fechada de uma hora pra
outra, e com ela toda uma vida de glorias, vitórias, desamor, magoas,
arrependimentos, tristezas, sonhos... Tudo ficou no passado!
NO FUNDO DE UMA VELHA GAVETA!
A
BORBOLETA
Publicado
no Jornal Diário do Amapá em; 12 de fevereiro de 2003-cultura.
A BR 156 estava completamente nublada ao
entardecer, e ainda no vidro do carro embaçado pela chuva fina, o motorista
tentava não desviar da estrada, porém, os buracos em numero excessivo eram
grande obstáculo, ele ainda estava preocupado com o sono leve que se aproximava
deixando transparecer um ar de inquietação.
Neste momento um caminhão carregado de
eucaliptos que vinha em sentido contrario o fez redobrar a atenção para não
ocasionar um acidente grave.
O buraco no meio da estrada surgiu como
por encanto, ele sabia que não estava lá quando veio pela primeira vez, e o sol
ainda estava no alto norteando sua viagem. O barulho das rodas no asfalto fez
com que os ocupantes que estavam no banco de traz acordassem, e aos gritos
perguntavam: o que foi isso? E o coitado branco de medo não tinha uma
explicação.
A viagem com o primeiro susto seria o
começo de uma grande odisséia naquela noite. O carro equilibrava na estrada
como que conduzido por algo estranho e o motorista continuava com seu medo sem
demonstrar aos outros ocupantes.
O vento forte que bateu no vidro da
janela, fez com que uma claridade repentina despertasse o motorista que já se
acalmava do primeiro susto, e ele não sabe explicar como o fenômeno aconteceu:
primeiro foi uma rajada de vento acompanhado de uma luz muito forte, depois um
inseto que foi se transformando em algo maior e ele exclamou assustado aos
amigos que era uma Borboleta gigante.
No percurso com destino ao município
amapaense de Ferreira Gomes, uma Borboleta luminosa acompanhou a viagem sem se
deixar ficar para traz.
As vezes acompanhava do lado direito do
carro, e quando o motorista tentava firmar o olhar para reconhecer o inseto,
ela se esquivava e desaparecia, para logo em seguida surgir do nada no outro
lado.
A luz que a rodeava era uma luz
diferente que mudava de cor segundo o tal motorista que não conseguiu descrever
qual a sensação de visualizar algo sobrenatural. Também existiu o medo que foi
indescritível naquele momento de pavor.
E a estória da tal Borboleta Gigante se
espalhou pelos velhos motoristas da BR 156.
DESPEDIDA
Publicado
no Jornal Diário do Amapá em: 13 de fevereiro de 2003-cultura.
As
chuvas de março sempre foram inspirações para os mais sensíveis com o coração.
O frio une os amantes tornando-os mais cúmplices e amigos, fortalecendo
as relações recíprocas de afeto, e deixando aflorar cada poeta escondido em um
emaranhado de funções cotidianas, onde as obrigações tornam-se prioridades,
deixando de lado a parte emotiva do ser humano.
A noite é um labirinto de desejos, que
atinge o clímax quando a chuva começa a dar seus primeiros sinais, deixando as
emoções nortearem os instintos, onde o entrelaçar de mãos, o sussurrar de sons
indecifráveis é um ritual continuo sem hora para acabar.
O casal de namorados fez sua primeira
jura de amor debaixo de uma das arvores centenárias da avenida Beira Rio, onde
o vento forte do Rio Amazonas serviu de testemunha, pássaros eram platéia, que
empolgados com o romance gorjeavam sem parar. Juras intermináveis, sensações
luxuriantes e inebriantes faziam parte do cenário, e a chuva era o complemento
final de uma cena de amor. Prometeram amar-se eternamente, até que a morte os
separasse, cascas de arvores frondosas foram arrancadas e marcaram através de
incrustações, como testemunho de um compromisso informal, sem a presença de um
contrato civil, a relação amorosa daqueles eternos amantes.
O rapaz ao se despedir da amada ainda conservava no semblante o grau de
felicidade que ela lhe proporcionou, e não percebeu o automóvel que se
aproximava com regular velocidade, que o apanhou na lateral da calçada e ele
foi atingido justamente na cabeça, tendo naquele momento traumatismo craniano
fatal.
A noticia chegou como um raio que atingiu a moça em cheio, sem uma
explicação que jamais será aceita. E ela com as mãos na cabeça, aos gritos sem
conseguir pronunciar as frases corretas, tentava entender o por que? Daquela
DESPEDIDA.
Ele anteriormente desejava ser feliz e
prolongar aquela felicidade que foi interrompida sem explicação. Ficará somente
na entranha de uma arvore a lembrança de uma jura de amor.
Despedidas inexplicáveis acontecem todos os
dias, porém, jamais conseguiremos compreender!
COMIGO
NINGUÉM PODE...
Publicado
no caderno de cultura do Jornal Diário do Amapá em: 28 de novembro de 2002.
A planta altamente venenosa é uma espécie de tajá brabo. Para os
curandeiros que praticam a pajelança ela possui poder miraculoso que combate o
mau olhado.
O pé de comigo ninguém pode ficava atrás da casa de um morador antigo do
bairro do Laguinho. A matriarca tinha mania de curar a arvore que, viçosa possuía
as folhas mais bonitas da redondeza, sua cor de um verde-oliva chamava a
atenção de todos que a observavam com inveja, segundo a proprietária.
Entremeadas entre o verde e o branco as folhas
reluziam seu brilho ao cair da tarde, sua forma como se fosse um coração se
debruçava ao vento demonstrando que possuía superioridade entre as outras
plantas do quintal.
Todos os dias o belo pé de Tajá recebia
bacias cheias de água curada como diziam os mais antigos.
Na mistura benta lá se iam: sal grosso, alho
batido no pilão de pau, folhas de mucuracaá, ramos de alecrim, pingos de
cachaça pura e virgem e lavagem de água de carne fresca. Quando recebia seu
banho o pé de comigo ninguém pode só faltava falar, suas folhas balançavam
soberbas, e o vento vinha com uma docilidade como se conversasse com a touceira
do Tajá venenoso.
Um dia a vizinha ouviu um assovio;
começou fino, depois cresceu, ecoou pelo quintal, penetrou na alma, e ela
procurou entre os pés de açaizeiro se havia alguém escondido lá, nada de anormal
foi avistado. Varias vezes ela escutou o mesmo som e começou a partir daquele
dia a prestar mais atenção de onde ele vinha.
Descobriu assustada que era do pé de
Comigo Ninguém pode.
O
BODE
Publicado
no Jornal Diário do Amapá em: 12 de agosto de 2002.
O Curiaú se orgulha de sua gente e de
suas lendas perpetuadas por pioneiros como seu Joaquim Tiburcio Ramos.
A lenda do BODE foi propagada por muitos
e muitos anos.
Contam os mais antigos que José Clarindo
depois de uma tarefa na roça dirigia-se para sua residência lá pelas seis horas
da tarde, e com a proximidade do entardecer, o medo tomava conta dos moradores,
que intimidados pelas conversas de conhecidos e contadores de causos de
aparecimentos de visagens, esperavam a presença do tal Bode Preto, que segundo
seu Joaquim possuía uma barba rente aos pés. Clarindo não se intimidou, disse
que ia de qualquer jeito, porém Tia Raimunda o aconselhou: “José não vai o Bode
pode te pegar”! Seu Joaquim disse que com o seu porrete de paxíuba , nem um
Bode o intimidaria, e reiterou: que “não ia crú” o porrete não o abandonaria.
Ele não se acovardou, porem, a morrinha lhe pegou.
Dizem que no dia 26 de julho o Bode
realmente apareceu e a partir daí a lenda se espalhou e virou estrofe do
cancioneiro popular nas trovas de cantorias dos batuques regionais, e uma delas
diz assim:
“Na
cisma do Joaquim/ nas terras do Curiaú/ não falo com todo mundo/ lá apareceu um
Bode/ e tão dizendo que sou EU/”
Alguns mais afoitos propagavam um boato
que quando as pessoas mais antigas, próximas da morte, elas se encantavam e
viravam: Bode, Onças, Porcos, etc...
E assim a lenda do Bode Preto não
desapareceu, continua viva e na memória de muitos pioneiros afrodescendentes
como o seu Joaquim.
Seu
Joaquim Tiburcio Ramos já é falecido.