A LUA ME CEGOU!
CONTOS DA BEIRA DO RIO AMAZONAS
Por
> Neca Machado
BIOGRAFIA
Neca Machado
(Ativista Cultural, altruísta que preserva os sabores e saberes da Amazônia,
através dos Mitos e Lendas da Beira do Rio Amazonas no extremo norte do Brasil,
é, Administradora Geral, Artista Plástica, Bacharel em Direito Ambiental,
Especialista em Educação Profissional, Escritora de Mitos da Amazônia,
fotografa com mais de 100 mil fotografias diversas por 11 Países (Europa,
Oceania, América do Sul) 2016, classificada
em 2016 na obra brasileira
“Cidades em tons de Cinza”, de novo em 2017, Concurso Urbs, classificada com publicação de um poema na
obra Nacional, “Sarau Brasil”, Novos Poetas de 2016, de novo em 2017.
Pesquisadora da Cultura Tucuju, Contista, Cronista, Poetisa, Coautora em 10
obras lançadas em Portugal em 2016 e 2017, Autora independente da Obra Mitos e
Lendas da Amazônia, Estórias da Beira do Rio Amazonas, publicada em 02 edições
em Portugal em 2017, edição limitada, Coautora na obra lusa, lançada em Lisboa
em 09.09.2017, A Vida em Poesia, Licenciada Plena em Pedagogia,
Gastro-Foto-Jornalista, Blogueira com 25 blogs na web, 21 no Brasil e 04 em
Portugal, Quituteira e designer em crochê.)
A LUA ME CEGOU!
A velha rua da Praia acordou com os
gritos assustados de alguém que perambulava sem rumo, gritando em uma voz cheia
de medo: “A Lua me cegou, a lua me cegou, a lua me cegou...”
Maltrapilho, descalço e parece CEGO.
Foi assim que o delegado de polícia da
capital o encontrou, foi chamado por moradores que assustados pareciam
petrificados sem entender a situação. O delegado abriu os olhos do coitado, e
sem explicação nenhuma, dizia que não tinha nada ali, deve ser um “cisco” que
caiu no teu olho, repetia. E o pobre Homem continua a gritar: “foi a lua, foi a
lua, foi a lua…”
Foi levado num camburão da polícia para
o Hospital geral que era o mais próximo da rua da praia. E por orientação
medica foi mandado para o departamento de psiquiatria.
No outro dia, parentes avisados o
procuram por lá, ainda estava cego.
A Mãe repetia que ele “era bom”, não
tinha problemas nos olhos, que enxergava tudo, que andava sozinho por Macapá,
que gostava dos puteiros e do quebra mar.
Mas, enfim, ele estava cego!
A cegueira repentina para ele tinha uma
causa: “Foi a Lua”
Ainda meio tonto dos remédios que lhe
deram, ele tentava lembrar de alguma coisa.
Disse que estava na frente do Mercado
Central, que pegou um carreto de bananas e foi deixar na quitanda da Mulher,
que nem sabia o nome, e que ela tinha lhe dado uns trocados, e que feliz foi
tomar umas no boteco da esquina com uma morena que acabara de chegar no Igarapé
das Mulheres e agora fazia “ponto” por ali...
Depois foram passear no trapiche, que
naquela noite tinha uma bela LUA.
Ainda tentou fazer uma poesia, mas não
era letrado.
De mãos dadas correram os dois pela
Pedra do Guindaste, sempre fitando a Lua, redonda feita uma peteca azul dizia
ele.
Parece que era meia noite.
E aí, foi quando lembrou que não
enxergava mais.
A última visão foi a LUA. Cheia de
gente, cheia de mistérios, cheia de desejos inimagináveis...
E agora ele CEGO.
Os anos se passaram e ele continua a
repetir, muitas vezes agora com uma velha bengala de companhia “FOI A LUA, foi a lua, foi a Lua...”
Foi culpa da LUA.
A
LUA ME CEGOU!
(Para muitos Pajés da floresta Amazônica
a LUA e cheia de mistérios, encantos e enigmas. Cuidado, a LUA também deixa
marcas…)
UM
ROSTO
Conto publicado no Jornal Diário do
Amapá em, 23 de fevereiro de 2003.
O
rosto que apareceu no espelho não era verdadeiro!
A moradora do bairro do Igarapé das
Mulheres se espantou; tinham rugas que pareciam de verdade, o sorriso era
enigmático e traiçoeiro, como um verdadeiro Demonio. A luz que pairava sobre o
vulto sem forma no reflexo do espelho era assustador.
A noticia correu como um campeonato de
velocidade, primeiro a benzedeira foi chamada, depois cobriu com um pano o
local, passou algo embebido em cachaça, fumou um cigarro barato, fez o sinal da
cruz e a coisa não sumiu.
A casa foi construída na beira do
Igarapé das Mulheres, seus pés permaneciam dentro das águas barrentas o ano
todo; às vezes a madeira de lei ficava totalmente encoberta, outras vezes
somente a metade, dizem as más línguas que foi a reza de um pescador
sentimental que agourou a velha casa, comprada com trocas de muitas viagens de
pescaria, alqueires de farinha, piracuí e algumas frutas que foram plantadas na
parte mais alta da propriedade, que serviu de moeda para adquirir tal
patrimônio.
A reza foi complementada com muita água
benta deixada de presente pelo velho pároco que estimava a família.
No espelho o visitante ao olhar a imagem
refletida, tinha a sensação de realmente se deparar com um ROSTO, as vezes com
o reflexo do sol do equador, até parecia um Anjo.
Se era uma imagem masculina, o padre que
também foi chamado, não soube explicar. O que realmente aconteceu foi algo assustador;
os antigos moradores sumiram de repente, como por encantamento de mãe do mato,
a policia ainda tentou investigar o sumiço, porém, nada foi deixado como pista.
Era um casal de velhos da Ilha do Marajó, não tinham filhos, viviam somente da
pescaria, e um dia a noticia chegou: os pobres velhos sumiram, alguém achou que
foi o Boto, outros que foram comidos por jacaré açu que rondavam o local, e
nada.
O que se comentava pelos cantos, era que
agora, com alguém morando na mesma casa, os antigos donos queriam voltar e
assumir seu lugar, um lugar agora habitado por demônios.
O ROSTO no espelho ficou na lembrança de
muitas pessoas, como Dona Maroca que só de lembrar ainda sente calafrios na
espinha e se benze, dizendo: Cruz, credo, virgem Maria!
FUNDO
DE GAVETA
Publicado
em 21 de fevereiro de 2003 no Jornal Diário do Amapá.
Quando ela se deparou chegando aos
oitenta anos sentiu um leve frio na costela...
A negra dos Campos do Laguinho sentou na
varanda da casa rústica e resolveu revirar seu passado, era como se limpasse o
armário e olhasse profundamente para um fundo de gaveta...
Primeiro foram às mãos que envelheceram
sem o sentir do passar dos anos, tinham marcas profundas de uma jovialidade,
que a cor conservava, sem que o tempo demonstrasse sinal de sua presença.
Já não podia tocar em algo que as dores
de um reumatismo não surgisse de repente, que a deixavam prostrada por dias a fio na velha rede de algodão.
Muitos sinais da passagem da juventude
desapareceram, sumiram como por encanto. A dor de cabeça era uma constante, e o
famoso banho de São João que conservava debaixo da cama, era sua salvação, o
banho era um segredo de família, conservado anos. Em dias de comemoração ao
famoso santo, as ervas aromáticas ficavam em infusão por três dias banhadas em
água de poço amazônida e retirados pela madrugada, tinha que ser antes do sol
raiar para fazer efeito segundo a velha senhora. Sua sabedoria popular
extrapolou os limites do Laguinho e as consultas em sua casa eram diárias.
Na gaveta o fundo amarelado guardava
alem das lembranças, muitas saudades. Recostou o ombro na cadeira de balanço,
tirou um fio de cabelo, e percebeu sua cor esbranquiçada que ficou em suas
mãos, neste momento, outra dor mais forte no peito. Eram as lembranças que
aquela gaveta lhe trazia, não lhe faziam bem nenhum.
Pensou no tempo em que o velho
murucizeiro conhecia suas lembranças, foram cúmplices durante muitas décadas,
ele era um confidente leal, em sua sombra a cumplicidade, seus frutos doces no
chão, somente uma desculpa para querer sua companhia. Agora as tardes não
possuíam mais o encanto de outrora, havia naquele momento um amargo sabor de
saudade.
A gaveta seria fechada de uma hora pra
outra, e com ela toda uma vida de glorias, vitórias, desamor, magoas,
arrependimentos, tristezas, sonhos... Tudo ficou no passado!
NO FUNDO DE UMA VELHA GAVETA!
A
BORBOLETA
Publicado
no Jornal Diário do Amapá em; 12 de fevereiro de 2003-cultura.
A BR 156 estava completamente nublada ao
entardecer, e ainda no vidro do carro embaçado pela chuva fina, o motorista
tentava não desviar da estrada, porém, os buracos em numero excessivo eram
grande obstáculo, ele ainda estava preocupado com o sono leve que se aproximava
deixando transparecer um ar de inquietação.
Neste momento um caminhão carregado de
eucaliptos que vinha em sentido contrario o fez redobrar a atenção para não
ocasionar um acidente grave.
O buraco no meio da estrada surgiu como
por encanto, ele sabia que não estava lá quando veio pela primeira vez, e o sol
ainda estava no alto norteando sua viagem. O barulho das rodas no asfalto fez
com que os ocupantes que estavam no banco de traz acordassem, e aos gritos
perguntavam: o que foi isso? E o coitado branco de medo não tinha uma
explicação.
A viagem com o primeiro susto seria o
começo de uma grande odisséia naquela noite. O carro equilibrava na estrada
como que conduzido por algo estranho e o motorista continuava com seu medo sem
demonstrar aos outros ocupantes.
O vento forte que bateu no vidro da
janela, fez com que uma claridade repentina despertasse o motorista que já se
acalmava do primeiro susto, e ele não sabe explicar como o fenômeno aconteceu:
primeiro foi uma rajada de vento acompanhado de uma luz muito forte, depois um
inseto que foi se transformando em algo maior e ele exclamou assustado aos
amigos que era uma Borboleta gigante.
No percurso com destino ao município
amapaense de Ferreira Gomes, uma Borboleta luminosa acompanhou a viagem sem se
deixar ficar para traz.
As vezes acompanhava do lado direito do
carro, e quando o motorista tentava firmar o olhar para reconhecer o inseto,
ela se esquivava e desaparecia, para logo em seguida surgir do nada no outro
lado.
A luz que a rodeava era uma luz
diferente que mudava de cor segundo o tal motorista que não conseguiu descrever
qual a sensação de visualizar algo sobrenatural. Também existiu o medo que foi
indescritível naquele momento de pavor.
E a estória da tal Borboleta Gigante se
espalhou pelos velhos motoristas da BR 156.