domingo, 21 de novembro de 2021

#PUTAS VELHAS, MEMORIAS DO INFERNO (CONTOS DA NECA MACHADO/ O LIVRO VAI SER LANÇADO NA EUROPA)

 

A PUTA QUE QUERIA SER GUEIXA

 


Quando ELA (   ) atravessou o Oceano Atlântico, fazendo pontes entre os Continentes, acreditou que realmente seu sonho tinha se tornado realidade.

Com olhos orientais, vivia dizendo para todo mundo que sua família tinha vindo do Japão depois da guerra, que sua avó Tomiko era realmente japonesa, que tinha morado em um bairro japonês cheio de “Gueixas” e nas noites de trovoadas na Amazonia, com o barulho dos raios nas paredes de madeira, para espantar o medo ela lhe contava estórias de Gueixas, foi assim que ELA decidiu seu futuro. “Acabou num Puteiro em Caiena na Guiana Francesa.”

Baixinha, olhos de japonesa, ninguém nem sabe sua origem, se realmente suas estórias eram verdadeiras, muitas diziam que ela tinha nascido na “Baixada do Japonês” no bairro do Igarapé das Mulheres, no coração da cidade de Macapá, estado do Amapá.

Mas seu sonho, esse sim, era real, gostava dos clientes chineses, eles não eram “avantajados” como os crioulos, nem lhe “arrebentavam” depois do trabalho feito.

Apelidaram na de GUEIXA.


ELA tinha orgulho do adjetivo.

Gostava de fazer massagens nos clientes, gostava de se ajoelhar aos seus pés, sonhava em ter um quimono colorido, pintado a mão por um artista famoso, talvez nem soubesse o sabor do saquê, mas sabia dizer em japonês, arigatô.

Dizia as amigas mais chegadas, que realmente tinha nascido para ser uma Gueixa, que sua mãe lhe tinha vendido quando criança, que trabalhou numa casa de chá, que limpava o chão com vassouras feitas a mão e que a “Mãe” a mulher que era cafetina tinha lhe feito um leilão para perder sua virgindade.

Talvez suas estórias fossem verdadeiras, talvez! Mas, sua vida era de mentiras, humilhações e muitos sofrimentos.

Mas seu sonho de ser Gueixa, nunca morreu. Aprendeu a observar as letras chinesas nos letreiros em Caiena na Guiana Francesa, começou a comprar revistas japonesas de segunda mão, dizia que a avó era muito rígida e não lhe ensinou o japonês, começou a investir em relacionamentos com orientais, talvez para observar seus costumes.

E começou a adquirir hábitos de verdadeiras mulheres orientais.

Gostava dos tamancos de madeira, aprendeu a andar com elegância, começou a estudar informações sobre gueixas, já sabia o que era uma “Okiya” (lugar onde viviam as Gueixas). Quanto mais se embrenhava nos costumes orientais, se fascinava literalmente. Começou a dar maior atenção aos clientes japoneses, e na cama feito uma “Gueixa” fake, ela descobria mais informações e crescia culturalmente; um dia lhe disseram que uma japonesa queria vender um quimono original, e ela tinha suas economias, correu para descobrir o endereço, e não é que conseguiu o tão almejado presente dos sonhos, e nem era Natal.

Vestida com o quimono que deu tanto trabalho se sentia a própria flor de cerejeira.

Já era chamada de Gueixa, e agora vestida com o tal quimono que algumas invejosas do puteiro diziam que era de uma japonesa morta, ela nem queria saber, começou a cobrar mais caro na prostituição.

Conversando com um cliente japonês ele lhe falou de um tal dana, que era uma espécie de amante, e ela começou a dizer as companheiras de puteiro que tinha um Dana rico, que lhe ia tirar daquela vida de inferno.

A Gueixa Cabocla foi se especializando na cerimonia do chá, nos rituais e no atendimento aos clientes orientais, fazia suas vontades, massagens, as vezes somente escutava problemas, noutras tentava acalmá-los.

Mas, seu sonho mesmo era um dia ir ao Japão.

Sonhava acordada com as florações das cerejeiras, com as roupas típicas, com as danças, com as cidades, com as casas de chás...

E como o “universo conspira a seu favor, quando o pensamento é positivo” um belo dia, recebeu um convite de um empresário japonês para lhe fazer companhia até Paris. Como foi mais que uma Gueixa na viagem, ele realmente tornou se seu Dana. E chegar ao Japão foi ganhar no euro milhão, ela se ajoelhou ao primeiro templo que encontrou pelo caminho, acendeu suas velas no quarto do hotel, rezou para todos os santos, jogou flores ao mar, fez promessas, e prometeu nunca mais voltar para o Igarapé das Mulheres onde realmente tinha nascido.

Agora uma Puta que envelheceu, sorri de seu destino, não tem uma casa de chá, mas tem um café na Europa.